sexta-feira, 14 de outubro de 2011

A Música como Propaganda na Segunda Guerra Mundial.

No início do século XX, a música era já uma importante característica no dia-a-dia das pessoas. A maioria dos lares tinha um instrumento musical e pelo menos um elemento da família sabia-o tocar proporcionando momentos de entretenimento e socialização. A música estava, por isso, generalizada sendo indiscutivelmente um interessante veículo de mensagens e inspirações.


  Desde então, e aproveitando a sua capacidade melódica, dinâmica e comunicadora, os governos (e não só) usam-na para induzir fervor, doutrina e patriotismo ganhando, com isso, o apoio da população. 


 Como a melodia, o ritmo e o clima emocional de uma canção convida o ouvinte a  cantá-la, a envolver-se e a memorizá-la, promovendo a sua experiência junto de outros e alargando o campo de acção da música, esta é, efectivamente, um extraordinário meio de propaganda. Aí, os alemães, no regime nazi, foram os pioneiros usando-a para atrair ouvintes para as suas emissões, intercalando música com boletins propagandísticos. Um experiente radialista alemão diria que, antes de mais, era preciso captar a atenção das pessoas e relaxá-las (Propaganda and Persuasion de Garth Jowett). Goebbels, o Ministro do Povo e da Propaganda Nazi decidiu, em 1942, que as transmissões deveriam ser compostas por 70% de música "light" de forma a garantir uma maior audiência para os respectivos boletins. Ele acreditava que misturar propaganda com entretenimento era a melhor forma de o conseguir. E de facto, nenhum outro país, na altura, conseguiu obter uma massa ouvinte tão numerosa, principalmente nas classes menos letradas (The Third Reich: politics and propaganda de David Welch). 


 Mas as suas aplicações como propaganda são várias. Por exemplo, no século IX os imperadores chineses empregavam mais de 900 músicos em determinadas cerimónias para patentear o esplendor da sua corte. Ou, no caso das canções patrióticas, para reforçar e realçar o significado das palavras e os valores pátrios.


  Sendo então uma das formas da criação humana de comunicar directamente com a alma, sentidos e intelecto, a música demonstra, como nenhuma outra arte, uma enorme capacidade associativa apta a chegar a um variadíssimo leque de pessoas proporcionando experiências de complexa profundidade. Assim, o equilíbrio entre mensagem e emoção é o verdadeiro propósito de uma propaganda eficiente. Para tal, o locutor utiliza o ritmo, a harmonia e a melodia impelindo noutros uma vasta panóplia de emoções como alegria, tristeza, tensão ou tranquilidade conseguindo, com isso, homogeneizar comportamentos e motivações. Com a repetição e a polifonia amplifica o sentido da mensagem e a sua memorização contribuindo, comprovadamente, para a sua massificação, objectivo chave para qualquer forma de persuasão ou manipulação. (Music and Manipulation de Steven Brown).


  Inevitavelmente, na Segunda Guerra Mundial, a música não deixou de ter um papel primordial na mobilização, doutrinação e angariação de fundos por parte de cada regime ou governo tornando-se, em muitos casos, popular por todo o planeta. Como exemplo, o caso carismático de Lili Marleen, a mais popular música de guerra em ambos os lados do conflito. Segundo a sua página oficial, foi originária de um poema de amor do soldado alemão Hans Leip escrito pouco antes de este ser deslocado para a frente russa em 1915 durante a Primeira Guerra Mundial. 


 Em 1938, Norbert Schultze transformou-o numa canção que acabou por ser recusada por Goebbels, que preferia antes uma marcha. No entanto, um ano depois, foi gravada por Lale Andersen sem muito sucesso até que, em 1941, o General Rommel, um profundo admirador da canção, pediu que a mesma fosse transmitida pela Rádio de Belgrado, controlada pelos alemães após a invasão da Jugoslávia, e responsável pela transmissão das notícias e da propaganda para o Africa Korps. E assim foi, antes do fecho de cada emissão, às 21:55 horas, Lili Marleen tocava na rádio. A partir daí a sua popularidade cresceu junto, não só das tropas alemãs como também das aliadas (ingleses, australianos e neo-zelandeses) estacionadas em África que captavam a emissão e a tornaram na sua favorita apesar da língua. Logo, os ingleses trataram de criar uma versão sua, primeiro na voz de Anne Shelton e depois na da famosa Vera Lynn, popularizando-a junto dos aliados. 


Lili Marleen, desde então, foi traduzida em mais de 40 línguas e fez parte do reportório de várias cantoras da época entre as quais Marlene Dietrich. 


 Porque foi a canção tão popular na altura?  


A sua página oficial dá-nos uma resposta de Lale Anderson "Pode o vento explicar porque é que se transforma numa tempestade?" 


 Entretanto,  na Alemanha Nazi em 1933, pouco depois de Hitler se tornar chanceler, foi publicada a "Badonviller Marsch", considerada a "música oficial de entrada", similar à "Hail to the Chief" dedicada ao Presidente norte-americano, e que integrou o conjunto de canções intitulado "German Homeland". 


 De seguida, devido à sua ideologia, os nazis excluíram os judeus da vida musical impedindo assim o desenvolvimento da chamada música de vanguarda na Alemanha. O jazz e toda a música experimental também foram banidos em favor dos coros masculinos e das óperas de Wagner e de outros compositores alemães onde - estes sim - serviam o propósito da mobilização de massas.


  Nos campos de concentração, inicialmente, qualquer actividade artística era punida com a morte. No entanto, isso não impediu que muitos dos condenados realizassem concertos secretos.


  Posteriormente, os nazis permitiriam a prolífica e rica actividade musical dos judeus condenados mas esta alteração de postura não significava algum tipo de caridade servindo apenas o propósito de evitar qualquer forma de rebelião e de tranquilizar a chegada dos novos condenados. Mais tarde, foi usada para demonstrar à opinião pública que os horrores propagandeados pelos seus inimigos não tinham fundamento, legitimando assim as suas actividades. O campo de concentração de Terezin, considerado o "campo modelo" pelo regime, foi exemplo disso. Por ele passaram muitos compositores, músicos e cantores de topo que, contra todas as adversidades, demonstraram um extraordinário espírito de humanidade produzindo obras de grande beleza. Ironicamente, os músicos e cantores condenados tinham um tratamento diferenciado em relação aos restantes, o que lhes permitia dedicar mais tempo à música que anteriormente em liberdade. 


 A melomania, entre uma boa porção de oficiais das SS, era uma característica sobejamente reconhecida onde, o mais notório, era Josef  Mengele, o Anjo da Morte. Outros, como Adolf Eichmann, exigiam música durante as suas inspecções ou concertos regulares para os elementos das SS e seus familiares orquestrados pelos próprios judeus condenados que, à mínima imprecisão, eram mortos. 


 Quanto aos norte-americanos, perceberam, desde muito cedo, a força da música e usaram-na para mobilizar a sua população, principalmente, no esforço de guerra contra o Japão. As letras reforçavam certas presunções culturais que estes tinham sobre os seus inimigos desumanizando-os e proclamando-os como povo pagão e diabólico, não perdoando o seu terrível "pecado", o ataque a Pearl Harbor,  como na canção patriótica "Praise the Lord and Pass the Ammunition" (The Songs That Fought the War de Jonh Bush Jones).


  Ao contrário do que fizeram os alemães, onde as músicas focavam, primordialmente, um segmento da população tal como, os nazis, os seus líderes ou mesmo Hitler, os norte-americanos em relação aos japoneses sentiram um imperativo moral para castigar todo um povo, toda uma nação, como se pode constar em várias ilustrações da época onde um grupo de pequenos japoneses é espancado por uma mão gigante ou mesmo pelo joelho do "Uncle Sam".

  Das várias canções norte-americanas uma muito conhecida é "Der Fueher's Face", uma paródia sobre os nazis que, posteriormente, se converteu numa curta-metragem de desenhos animados realizada pela Walt Disney. Outra, a Run Rabbit Run foi popularizada pelo duo de cantores/comediantes Flanagan and Allen que alteraram a letra para Run Adolf, Run.

  Do lado britânico, temos uma das canções mais famosas da Segunda Guerra Mundial, "We'll Meet Again", de Vera Lynn, pelo seu carácter optimista e esperançoso. Aliás, Vera Lynn, no livro "Great Singers of the 20th Century" de David Spiller, é referenciada como, de longe, a voz britânica mais popular da época. Com o início da guerra, devido à sua forma de cantar e ao facto de apelar ao sentimento nas suas canções, agradou bastante aos britânicos, em particular aos militares. O seu impacto no panorama musical foi quase imediato.

  Nota-se, portanto, que nas canções britânicas – e, também, nas norte-americanas – a temática reflectia o desejo para o término rápido do conflito e o pronto regresso dos seus à pátria o que dava uma energia e uma vontade suplementar a todos os participantes.

  Política mais radical teve o Japão imperial. A partir de meados de 1930, Satõ Haruo, um poeta e novelista japonês, compôs vários poemas e intitulou-os "Canções em nome do Japão" e "Serviços", refere Emiko Ohnuki-Tierney no seu ensaio "The Militarization of the Masses". Neles, os sacrifícios pela pátria e pelo imperador eram glorificados tomando muitas vezes a queda de flores de cerejeira como metáfora.

  No mesmo seguimento, em 1937, Nobutoki Kiyoshi compôs uma melodia para acompanhar a letra de um poema do Japão antigo (séc. VIII), "Umi Yukaba" (No mar) e que, apesar de ser bem conhecido, só assim viria a ser usado pelo governo japonês como um poderoso instrumento para doutrinar o seu povo segundo os seus ideais. Esta canção acabaria por imortalizar-se ao ser transmitida no primeiro dia da entrada do Japão no conflito aquando da oração silenciosa às "nove divindades" (pilotos japoneses de cinco mini-submarinos mortos no ataque aos vasos de guerra norte-americanos em Pearl Harbour).

 Na Rússia foi Katyusha a mais popular composta em 1938 e falava sobre as saudades que tinha uma rapariga do seu amado que estava em serviço militar.

  Katyusha foi mesmo usada para instigar os soldados russos contra os invasores alemães e deu o seu nome aos lança-foguetes fabricados pelo Exército Vermelho na Segunda Guerra Mundial.

Uma versão italiana, "Fischia il Vento", juntamente com a "Bella Ciao", tornou-se num dos hinos da resistência em Itália contra os alemães na parte final da guerra.

 "Chant des Partisans", de Anna Marly é, do lado da resistência francesa, a canção mais popular da altura e proclama a vida ou a morte pela libertação e a insurreição de todos os franceses contra os invasores. Acabaria mesmo por se tornar no hino da própria resistência e, após a guerra, no hino não oficial da França. O efeito foi de tal ordem na consciência francesa que o General Charles de Gaulle chegou apelidar Anna Marly de "A Trovadora da Resistência".

  Observa-se então que a música, pela sua enorme capacidade de influenciar e comunicar, é um admirável instrumento fortalecedor de lideranças e de cativação, capaz de unir, motivar e/ou manipular massas com os mesmos ideais, vocações ou preferências, estando hoje claramente presente no nosso quotidiano.


Citando Victor Marie Hugo, "A música está em tudo. Do mundo sai um hino".


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